MAC RS no 4º Distrito

Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul no 4° Distrito
A nova sede do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC RS) está localizada em um antigo depósito da Secretaria da Segurança Pública, na Rua Comendador Azevedo, entre as avenidas Farrapos e Voluntários da Pátria, no 4o Distrito de Porto Alegre. Cedido pelo Governo do Estado em 2019, o espaço passou por obras iniciadas em 2024, com inauguração para o ano de 2025. O projeto contempla galeria de exposições, área educativa e administrativa, loja, jardim de esculturas, operação gastronômica e dois bondes históricos integrados ao ambiente.
No pátio externo, já estão instaladas três obras do acervo: Sem título (1973), de Vasco Prado; Estante de escultor (2004), de Patricio Farías; e Monatrans (2021), de Sil Marcon. Produzidas em tempos distintos, essas obras ajudam a compor uma linha do tempo simbólica da história e das transformações do museu. A presença das obras reforça o compromisso do museu com a ampliação do acesso público à arte, integrando o espaço urbano à experiência artística.
Mais do que valorizar o patrimônio material e imaterial do território ou investir exclusivamente no engajamento comunitário, a nova sede reafirma o papel dos museus como espaços capazes de produzir vínculos com o tempo, o espaço e as memórias — atuando de forma situada junto a diferentes grupos sociais.
Os bondes
Símbolos marcantes da memória urbana de Porto Alegre, os bondes remetem ao tempo em que esse sistema de transporte estruturava os fluxos da cidade, entre o fim do século XIX e a década de 1970. No MAC RS, os exemplares restaurados resgatam essa história no coração do 4º Distrito, contribuindo para a preservação do patrimônio e para a reimaginação de futuros urbanos mais conectados à cultura e à sustentabilidade.
Retirado do texto de Lucas Volpatto, arquiteto responsável pela restauração dos bondes no MAC RS no 4D, do material educativo do Museu.
Setor Educativo do MAC RS: CCMQ e 4º Distrito

Com duas sedes em funcionamento, uma na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) e outra no 4º Distrito, o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC RS), possui um Setor Educativo que propõe um trabalho que reconhece as singularidades de cada território e a complexidade das relações que a arte contemporânea é capaz de mobilizar. Em vez de uma estrutura fixa e vertical, o educativo opera a partir de eixos que se cruzam, se tensionam e se refazem continuamente, à medida que escutam os seus públicos, os artistas, os educadores e as vizinhanças. O Educativo do MAC RS, implementado no ano de 2022, é um espaço de aprendizado, pensamento crítico e experimentação em arte que estabelece os vínculos do museu com os públicos.

Mediações
O museu se faz no encontro. Nesse eixo, o educativo se dedica a ativar o acervo e as exposições como ponto de partida para conversas, experiências coletivas e produção de sentidos compartilhados.


Práticas Artísticas
A partir das exposições temporárias e de acervo, o Educativo do MAC RS desenvolve atividades que buscam diversas linguagens artísticas, como desenho, pintura, fotografia, performance, entre outras, valorizando processos criativos e o fazer manual. No escopo desse eixo, foi criado o programa Modos de Fazer, voltado para o público iniciante ou não, como um convite para experimentar os gestos e procedimentos presentes nas obras do Museu.

Arte, Território e Comunidade
Este eixo fortalece ações extramuros que articulam o museu a diferentes contextos sociais e educativos. Um dos projetos centrais é o LAB. Presença, que propõe a inserção de jovens, vinculados a instituições formais e informais de ensino, em processos curatoriais, educativos e artísticos. A partir de trocas horizontais e visitas recíprocas, o projeto estimula o reconhecimento das múltiplas possibilidades profissionais existentes em um museu. Outro desdobramento deste eixo é o programa Entre Museus, que propõe percursos de mediação entre instituições quando há relação direta entre obras, artistas ou exposições, criando pontes que ampliam os sentidos das práticas educativas no campo das artes visuais.

Conheça os nossos programas

Conversas de Casa é um programa do MAC RS que promove encontros entre os públicos, artistas, curadores, produtores, educadores e agentes culturais envolvidos nas exposições promovidas pelo Museu. A ideia é criar um espaço para compartilhar reflexões sobre os critérios curatoriais, a expografia, os bastidores da produção das obras e outros aspectos que atravessam a construção das mostras.
O projeto Modos de fazer consiste em uma série de oficinas que tem por objetivo criar aproximações entre o público, os artistas, as obras e as exposições promovidas pelo MAC RS. Por meio da abertura de um espaço prático, tanto para especialistas quanto para iniciantes, são apresentadas técnicas utilizadas na concepção de obras que ocupam as galerias ou compõem o acervo do Museu.
O Entre Museus: percurso de mediação é um projeto de incentivo à visitação aos museus da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul, fomentando a interação entre os espaços culturais com o público e as suas narrativas. Ao envolver os cidadãos na visita aos museus e na promoção da cultura, auxilia no fortalecimento do senso de pertencimento à cidade e estimula a preservação do patrimônio cultural.
NUNO RAMOS: Três Casas
A instalação Três Casas de Nuno Ramos oferece ao visitante uma experiência reflexiva sobre a fragilidade da existência humana frente à força transformadora da natureza e à passagem inexorável do tempo. Revisitando uma de suas obras mais emblemáticas – exibida uma única vez em Belo Horizonte no ano de 2012 –, o artista propõe aqui uma reapresentação do trabalho em um contexto onde o pessoal e o universal se entrelaçam.
Ocupando todo o espaço expositivo, três réplicas em tamanho real de casas que Nuno Ramos habitou ao longo de sua vida emergem como vestígios fantasmagóricos de um passado marcado por memórias profundas. Cada casa, meticulosamente recriada em diferentes materiais – mármore, granito e areia –, é submersa em uma piscina de lama escavada diretamente no piso da galeria. Essas lamas, que também diferem em cor – uma branca para a casa de mármore, outra preta para a casa de granito e a terceira marrom para a casa de areia – evocam as inúmeras camadas de significados, materiais e simbolismos presentes na obra.
Aqui, a poética de Nuno Ramos encontra um diálogo potente com o poema Morte das Casas de Ouro Preto, de Carlos Drummond de Andrade. No poema, Drummond lamenta a perda das antigas moradas e o desaparecimento das referências que sustentam nossa história e identidade. Assim como o poeta, que observa as casas esmorecendo ante o avanço da natureza e do tempo, o artista materializa esse instante liminar em que o humano se vê confrontado pela impermanência, pelo abandono e pela força telúrica que nos consome e regenera.
Como em todos os trabalhos de Nuno Ramos, a escolha dos componentes, tonalidades e texturas das casas – e das lamas – não é aleatória e parece representar não apenas as variações na matéria, mas também as diferentes fases da vida do artista e as emoções contrastantes que as memórias desses períodos trazem à tona. As casas, afundadas nesse ambiente ao mesmo tempo inóspito e estranhamente belo, espelham uma luta contra a aniquilação, evocando questões sobre a persistência da memória e a inevitável transformação imposta pelo tempo e pela natureza.
A escolha da lama como elemento fulcral da instalação carrega uma polissemia densa e desconcertante. Fluido espesso, que não é nem terra nem água, a lama representa o limiar da forma, o lugar onde tudo pode afundar, desaparecer ou ser reconfigurado. Ao submergir suas casas, Nuno Ramos aciona camadas simbólicas que vão da dor à fertilidade, do luto ao renascimento, em uma alegoria das forças que nos arrastam e nos moldam. As colorações — branca, preta e marrom —, menos do que opções cromáticas, aparecem aqui como metáforas emocionais e temporais: que podem tanto falar da infância, da morte, ou da degradação da matéria, quanto da constante luta por permanência.
Com Três Casas, Nuno Ramos nos oferece um espaço para contemplar o efêmero e o eterno e nos convida a atravessar esse limiar entre presença e ausência, memória e esquecimento, matéria e mito. Ao caminhar pelo espaço caracterizado pela obra, somos chamados a refletir sobre o próprio ciclo da existência — nossas raízes, perdas e transformações — em uma deriva visual e sensorial que consegue ser, ao mesmo tempo, íntima e plural.

NUNO RAMOS: Três Casas no MAC RS do 4° Distrito
Ao ser apresentada no MAC RS no 4° Distrito, a instalação adquire uma dimensão coletiva e social ainda mais intensa, ecoando de forma pungente as enchentes de maio de 2024, que devastaram o Rio Grande do Sul. A tragédia, a maior da história do estado, encontra um espelho inevitável nas casas submersas que compõem a obra. Diante desse novo contexto, elas transcendem o campo do pessoal para se tornarem metáforas contundentes da vulnerabilidade humana frente às forças incontroláveis da natureza.
Primeira exposição da nova sede do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul no 4° Distrito — uma edificação que, como todo o seu entorno, foi atingida pelas águas do Guaíba durante a enchente —, a obra de Nuno Ramos se inscreve num espaço já marcado pela catástrofe, instaurando ali uma zona de reverberação simbólica. Nesse terreno de memórias recentes, a noção de lar — esse lugar arquetípico de proteção, identidade e permanência — é posta em xeque. Estatuídas como iminência de sua própria ruína, as casas moldadas a partir das lembranças do artista, deixam de ser apenas ressonâncias íntimas para se tornarem metáforas universais da fragilidade e do desamparo.
Como uma obra que desde sua origem parece atravessada por uma inquietação latente que, retrospectivamente, assume contornos premonitórios, Três Casas é, antes de tudo, uma instalação que nos convoca a refletir sobre a maneira como a arte pode dar forma ao indizível — não apenas como consolo ou enfrentamento, mas como transcendência, metamorfose, projeção e assimilação. Transposta para o Rio Grande do Sul pouco mais de um ano após a enchente que transformou milhares de casas reais em ressonâncias espectrais, a instalação permite que a tragédia reverbere nas formas soterradas, encobertas, ameaçadas — convertendo a galeria em um espaço de projeção, testemunho, luto e transfiguração.
Trata-se, efetivamente, de uma obra que articula, com rara intensidade, os vínculos entre a memória íntima e os abalos do mundo, propondo uma experiência em que o subjetivo se entrelaça à devastação coletiva. Ao atravessar a instalação — apresentada num espaço que também foi submerso e que apenas recentemente perdeu, com a conclusão de sua reforma, as marcas que a água deixou —, o visitante é convidado a pensar sobre a impermanência, a segurança e o pertencimento num mundo onde a natureza, imprevisível e implacável, pode, num único instante, transformar o conhecido em desconhecido, a segurança em ameaça, a realidade em distopia, a presença em ausência.
Ao nos convidar a refletir sobre a potência da memória e a necessidade de reconhecer a perda como solo fértil para o que ainda pode nascer, as casas submersas nas piscinas de lama criadas por Nuno Ramos se erguem, no contexto do MAC RS no 4° Distrito, como monumentos não apenas ao luto, mas também à possibilidade de recompor o que foi desfeito. Tornam-se, assim, as casas que conhecemos e perdemos, as que vimos nas imagens da catástrofe, as que ouvimos contar — e, sobretudo, aquelas que carregamos em nós como promessa de reconstrução, abrigo e recomeço.
André Severo
Curador
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